“O País está em risco? Está. Tudo está perdido? Não.” É assim que o engenheiro agrícola Eduardo Delgado Assad, da Embrapa, resume as conclusões do estudo “Aquecimento Global e a Nova Geografia da Produção”. O trabalho, conduzido em parceria com o engenheiro agrônomo Hilton Silveira Pinto, da Unicamp, avaliou os impactos que as mudanças climáticas terão sobre a agricultura do Brasil. A seguir eles contam quais foram as principais descobertas do trabalho e apontam as saídas para solucionar problemas futuros.
Assad: Mantidas as condições atuais, a produção de alimentos está ameaçada. O País está em risco? Está. Tudo está perdido? Não. O recado desse estudo é: temos soluções. Uma é mitigação, e ela é política. Podemos adotar práticas de mitigação imediatamente, como fomentar o plantio direto, incentivar a integração entre pecuária e lavoura e os sistemas agrossilvopastoris, reduzir queimadas e o desmatamento, recuperar as , pastagens. Só de pasto degradado temos quase 100 milhões de hectares. O importante é mudar o parâmetro de manejo agrícola do Brasil. Tudo isso é “caneta” e pode imediatamente reduzir as emissões de gases de efeito estufa e seqüestrar carbono. Outra coisa é se adaptar para a nova situação. Ouvimos muita gente falar que ainda não tem motivo para preocupação, que os problemas são só para daqui 10, 20 anos. Mas não é assim. Para lançar uma nova variedade mais adaptada são necessários uns 10 anos e muito dinheiro. Mais ou menos R$ 12 milhões por ano em melhoria genética – por alto dá R$ 120 milhões para uma variedade. Então temos de começar a trabalhar desde já nisso, no melhoramento genético para suportar até 2ºC de aumento de temperatura e deficiência hídrica. E também buscar a adaptação das cultivares que estão aí. Vamos, por exemplo, levar o café mais para o sul, ver se as culturas se dão bem em outros lugares.
Pinto: Além disso, precisamos encontrar outros modelos mais adaptados para a região Nordeste. Em vez de tentar cultivar arroz, feijão e milho na região, é hora de começar desenvolver as culturas de seca mesmo. Fazer com que a região se torne autônoma na produção desses alimentos.
Assad: Mas a coisa mais importante que o país tem de fazer é investir em pesquisa. Sem isso, não adianta querer mudar cultura de Estado, tirar de Minas e pôr no Rio Grande do Sul, porque há limite de adaptação. Tem jeito, claro que tem. Mas precisa pensar em planejamento adequado para a agricultura. Pensar em produzir variedades adaptadas à seca do Nordeste pode ser um erro. É melhor procurar desenvolver as plantas locais que servem de alimentação. Isso só se faz com planejamento. Assad: De fato são poucos agricultores que estão fazendo alguma coisa, mas quando a pesquisa mostra que é possível, que dá certo, pode virar política pública. Uma parte do crédito agrícola, por exemplo, pode ser destinada para a conversão de pasto em um sistema de integração com a lavoura e os sistemas agrossilvopastoris. Além disso, temos um problema cultural grande. Grupos que têm uma forma muito enraizada de produzir, que fazem isso há 50, 100 anos, vão ser obrigados a mudar. Isso não é fácil. A maneira de fazer o pasto como importamos da Europa, dos Estados Unidos, no modelo arrasa-quarteirão, com nenhuma árvore no pasto, vai ter de mudar.
Pinto: De novo, acho que não. Tem muita área sobrando de pasto degradado. A soja também pode avançar ali. O problema da Amazônia é o pasto. Mas com integração pecuária-lavoura é possível melhorar a pastagem e plantar soja, sem pressionar mais a floresta.
Pinto: Sim, se for aplicada uma tecnologia moderna de cultivo, integrando lavoura-pecuária-floresta. Por exemplo, em um hectare o agricultor planta arroz ou soja. Mas, em vez de fazer isso pelo campo inteiro, ele planta uma fileira de eucalipto. Depois de 1 ano, colhe a soja e deixa o eucalipto crescendo. No ano seguinte, planta de novo. Lá pelo terceiro ou quarto ano, o eucalipto cresceu e o boi não pode mais comer o brotinho do eucalipto, vai lá e planta pasto. Agora faz cultura e pasto e coloca gado ali. No sétimo ano, colhe o eucalipto – a planta que mais dá lucro hoje no Brasil. No mesmo lugar o agricultor tem árvore, tem cultura e tem gado. Passa de meia cabeça por hectare que ele tinha na pastagem ruim para duas, duas e meia. Sem sair do lugar aumenta em quatro a cinco vezes a criação de gado, e está produzindo soja ou arroz e eucalipto.
Assad: O problema refletido na sua questão é que no Brasil sempre se pensa em substituir um sistema monofuncional por outro. Mas temos como pegar essas áreas de pastagens e colocar duas, três coisas diferentes.
Assad: Queremos ampliar a análise matemática para outras culturas, como laranja, trigo, canola, cevada. Mas, além de fazer a modelagem no computador, queremos trabalhar com fisiologia de planta. Nossos planos são comprar câmaras de crescimento e observar como a planta reage ao elevarmos a temperatura. Vamos saber de um modo muito mais preciso os efeitos do aquecimento. Isso já deve começar a ser feito com arroz, feijão, milho, trigo e soja.
Pinto: Talvez a gente perceba que a situação na prática seja menos grave do que a apontada no estudo. Eu chutaria que pode ser menos grave, porque estamos jogando um pouco com garantias. Melhor assim. Tomara que a gente tenha errado.
Assad: Sim, tem a tecnologia que pode resolver o problema. Mas, se a agricultura continuar sendo praticada como é hoje, de maneira predatória, migratória e malfeita, aí não tem jeito. O Cerrado foi palco disso e muitas áreas ficaram degradadas. Começou com soja, se plantou muito, aí foi perdendo produtividade e colocaram pasto. Aí fica desse jeito degradado. Mas temos técnicas agrícolas que permitem não só recuperar as áreas como manter um nível de sustentabilidade e produção muito alto. Se tiver juízo, resolve. A função desse estudo não é fazer terrorismo. Ele nos deu o diagnóstico: o país está vulnerável. Fechar os olhos para isso é burrice. Pode acontecer. Mas temos como evitar. A França sabia que ondas de calor poderiam matar pessoas. Milhares morreram. Não foi fatalidade, foi irresponsabilidade do Estado. No Brasil, se não fizermos nada, teremos problema de segurança alimentar por irresponsabilidade.